06 novembro 2017

Maçonaria e Solidariedade


É recorrente. Sempre que ocorre algum evento que cause vítimas, destruição de bens ou deixe pessoas em dificuldades e que tal evento cause comoção pública, há quem - admito que bem-intencionadamente - sugira, proponha, exija que a Grande Loja lance uma campanha pública de recolha de fundos e solidariedade. Essa não é, contudo, a melhor das ideias - e vou procurar explicar porquê.

As instituições maçónicas e os maçons devem - isso é inquestionável! - proporcionar a sua aolidariedade e prestar ajuda a quem passa momentos de aflição. Mas duvido muito que deva fazê-lo lançando campanhas públicas nesse sentido. Se uma instituição maçónica está em condições de auxiliar, deve auxiliar, seja disponibilizando meios financeiros (do respetivo Tronco da Viúva ou do seu orçamento geral), seja disponibilizando trabalho, tempo e energias dos elementos que a integram. Mas deve fazê-lo discretamente!

Deve fazê-lo discretamente, não por hábito ou mania da discrição, mas porque deve auxiliar por solidariedade, por fraternidade com o semelhante - e também não por relações públicas!

Quando há que auxiliar, quando há que organizar meios de providenciar ajuda, quando há que recolher fundos e encaminhá-los para onde façam falta, a Grande Loja (ou qualquer outra instituição maçónica) pode, deve e faz muito bem que assim proceda, mobilizar os seus obreiros para que se organizem e deem algum do seu tempo e do seu esforço para ajudar e para que destinem meios financeiros de que disponham, e que não lhes façam falta para sustentar os seus e cumprir os seus compromissos, em prol de quem está em aflição e necessita de auxílio.

Mas uma coisa é a instituição maçónica mobilizar internamente os seus elementos - e tentar ser eficaz e aumentar os meios destinados ao auxílio a prestar. Outra coisa, completamente diferente é lançar apelos públicos - aí há que distinguir quando o apelo público faz ou não sentido. O Grupo de Dadores de Sangue Mestre Affonso Domingues, quando organiza campanhas de doação de sangue, para além da mobilização dos seus elementos, procura mobilizar obreiros de outras Lojas e - designadamente através deste blogue - motivar toda e qualquer pessoa, maçom ou não maçom, a dar sangue. Isso faz sentido - porque a necessidade de sangue disponível é permanente e a sensibilização de todos a todo o tempo justifica-se. 

Quando, há alguns anos, a Associação Mestre Affonso Domingues lançou a campanha pública de recolha de óculos para envio para Moçambique, isso fez sentido. Porque organizou forma de todos os óculos recolhidos serem medidos na graduação das suas lentes por profissionais aptos para tal, porque arranjou forma de, sem custos, enviar os óculos recolhidos para Moçambique, porque tinha contactos locais que garantiam que os óculos recolhidos e enviados eram dados a quem deles efetivamente necessitava, gratuitamente e sem condições de qualquer espécie, porque garantiu que todos os que participaram nessa ação o fizeram exclusivamente por solidariedade, pelo propósito de ajudar e sem que ninguém obtivesse qualquer vantagem patrimonial ou de outra índole com isso. Então fez sentido, já que se montara toda uma estrutura para enviar óculos para quem deles necessitava em Moçambique, procurar que, em vez de entre nós, nossas famílias, amigos e colegas de trabalho recolhermos umas dezenas de pares de óculos, divulgar a iniciativa e conseguir, como se conseguiu, recolher, medir, enviar e dar umas centenas, mais de meio milhar, de pares de óculos. Aí, o apelo público fez sentido para rentabilizar a iniciativa e procurar obter, como se conseguiu, um maioer número de óculos a enviar. 

Mas quando - como ocorreu recentemente em Portugal com dois episódios de incêndios florestais catastróficos, que causaram perdas de vidas, imensa destruição e deixaram nuita gente a necessitar de auxílio (alguns ficando apenas com a roupa que tinham no corpo) - existe comoção pública e a solidariedade de toda uma sociedade brota espontaneamente, quando instituições vocacionadas especificamente para tal abrem e publicitam contas solidárias e apelam a que o público nelas deposite a sua ajuda monetária, que falta faz que "a Maçonaria" lance uma campanha à parte, abra uma conta, peça auxílios? Porventura vai-se conseguir angariar mais meios de auxílio que não se angariariam através do vasto movimento de ajuda que se gerou? Claro que não! Nesta situação, a intromissão (é o termo!) da Maçonaria não redundaria em nenhum benefício significativo em prol de quem sofre, antes não passaria de um abstruso meio de auto-promoção, de "aparecer". Ora a Maçonaria não se destina a "aparecer". Pelo contrário, centenas de anos de existência ensinaram-nos que o Bem está muitas vezes nas pequenas coisas, nos auxílios discretos, nas ajudas fora dos holofotes.

Solidariedade, beneficência não são publicidade nem relações públicas! O maçom cumpre o seu dever de beneficência porque interioriza que essa é uma postura que moralmente deve ter. Quando dá, só ele tem que saber que deu. Por vezes nem quem recebe precisa de saber quem deu... Ajudar é motivo de satisfação pelo cumprimento da nossa obrigação de sermos bons e procurarmos ser melhores. Não é, não pode ser, NUNCA, motivo de vaidade, de exibição, de publicidade, de relações públicas!

Por isso , meus prezados Irmãos, sempre que - infelizmente - ocorrer catástrofe que cause comoção pública, insto a que nenhum de vós perca tempo nem energias a clamar por que a Grande Loja publicamente lance campanhas ou faça apelos ou comunique a sua solidariedade. Nessa ocasião, haverá muito quem lance campanhas de apoio, de solidariedade, de ajuda, de recolha de fundos. Não será então necessário que façamos mais do mesmo.Isso seria apenas e afinal tão só aparecer. A nós basta-nos e deve bastar-nos - e muito é! - tão somente Ser!

Rui Bandeira

23 outubro 2017

Comunicação do Grão-Mestre por ocasião do equinócio de outono


O ABANDONO DO INTERIOR, O ABANDONO DE PORTUGAL

Queridos II. em todos os vossos graus e qualidades, a todos saúdo, sede bem-vindos à casa dos valores, à casa dos irmãos, à nossa casa.

Celebramos hoje em Grande Loja o Equinócio de Outono. O fenómeno astronómico ligado ao equinócio, define o instante em que o Sol, na sua órbita aparente, cruza o equador celeste, garantindo nesta data, igual duração entre os dias e as noites. Através desta sugestão igualitária cósmica, reavivo os princípios que norteiam a nossa Augusta Ordem: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. A partir deles extrapolo deveres para o maçon como o dever de solidariedade, o dever da promoção da igualdade de oportunidades, o dever da compaixão fraternal para com o semelhante, o dever de respeito pela dignidade humana, o dever em defender a democracia plena.

E faço esta introdução, porque queria hoje falar-vos do problema maior de Portugal, ao qual nós todos temos obrigação de prestar socorro:

O ABANDONO DO INTERIOR, O ABANDONO DE PORTUGAL,

problema que tem matado e vai continuar a matar.

O fenómeno dantesco dos fogos deste Verão, que assolaram e exauriram o país, que espalharam terror e morte, deve servir de rastilho para que expluda em Portugal uma “bomba nuclear de mudanças radicais”.

Neste fantástico rectângulo português, as assimetrias territoriais de longitude são cada vez mais colossais e gritantes: ao longo do Atlântico afunda-se uma espécie de restinga litoral que soma à volta de 10% do território, 90% da população, que concentra as actividades económicas, a riqueza e os maiores rendimentos, o desenvolvimento, demografia jovem e vigorosa, a qualidade de vida e as acessibilidades.

Nas costas deste litoral que nunca aparecem ao espelho, temos 90% do território que arde todos os anos: 10% da população, todas as desgraças e calamidades, das quais os fogos de Verão, são apenas um povoador de consequência.

E cito o artigo do “Financial Times” que afirma com clarividência: “os incêndios, que devastam Portugal, reflectem décadas de negligência e afastamento do poder político em relação às regiões do interior”.

E eu sei bem do que falo, porque durante muitos anos, fui autarca nas profundezas do interior dos interiores, por isso vos parafraseio Marcelo Rebelo de Sousa, que numa passagem pelo nordeste transmontano, ao improvisar uma aula de geografia para localizar Trás-os-Montes enfatiza: "O nosso país, está dividido entre a Área Metropolitana de Lisboa e o resto. Depois, entre as outras áreas metropolitanas e o resto. Depois, entre todo o litoral e o resto. Depois, há dentro do interior o interior intermédio e o interior profundo. Dentro do interior profundo há o interior mais profundo. E é no interior mais profundo do interior profundo que encontramos Trás-os-Montes", e eu próprio acrescentaria que Miranda do Douro fica mesmo no confim das profundezas de Trás-os-Montes. E é este um problema que deixamos arrastar desde muito longe. Exceptuando Dom Sancho I o Povoador, segundo rei de Portugal, que no último quartel do século XII promoveu e apadrinhou o povoamento dos territórios do país, tal como a fundação da cidade da Guarda, e a atribuição de várias cartas de foral nas Beiras e em Trás-os-Montes, povoando assim áreas remotas do reino, com imigrantes da Flandres e da Borgonha. E a Lei das Sesmarias promulgada na segunda metade do século XIV por Dom Fernando I, que pretendia fixar os trabalhadores rurais às terras e assim diminuir o despovoamento. Além deste dois, talvez não veja outros estadistas que mereçam relevo à altura nesta causa da democracia territorial Portuguesa. No século XIX, eventualmente Dom Pedro IV, mas o interior que escolheu foi o Império do Brasil.

Depois da lei das Sesmarias, as sucessivas estratégias territoriais passaram sempre por extorquir recursos e população ao interior: foram essas gentes que encheram as naus e as galeras dos descobrimentos, que foram levadas para povoar as ilhas até então desertas, as feitorias na Índia, as colónias africanas, o Brasil.

Foram eles os incentivados a imigrar para a Argentina, para a Venezuela, ou América do Norte.

Foram eles que ajudaram vários países europeus a levantarem-se depois da Primeira e Segunda Grandes Guerras, tal como a França, a Alemanha, a Inglaterra, a Bélgica, a Suíça ou a Espanha. Foi a eles que deslocalizamos para que enchessem Lisboa e o Porto.

Recentemente são os escassos jovens licenciados provenientes das regiões do interior os primeiros a engrossar as fileiras da imigração mestrada e doutorada: eu tenho lá uma filha querida!

Muitos dirão que esta é tarefa hercúlea, titânica: impossível!

Eu respondo com o exemplo recente das Alemanhas, que em 1990 tomaram a decisão de se reunificar.

Estamos a falar de coisas diferentes, claro que estamos, mas a verdade é que precisamos agora de uma grande mobilização nacional para esta urgência. Durante os anos de democracia, Portugal já conseguiu responder à resolução de grandes causas nacionais, como o foram a liberdade, a democracia, a descolonização, a Europa e o desenvolvimento. Precisamos agora reunificar o país.

A Unidade de Missão para a Valorização do Interior, aposta do actual Governo, foi o último redundante fracasso absoluto, e agora as contabilidades eleitoralistas, ou as palavras e os afectos já não bastam.

Este vosso servo Grão-Mestre não manda, mas tem com ele O PODER DA PALAVRA. E já vos tinha contado, quanto tudo era apenas trevas e breu, Deus fez luz e criou o universo apenas com palavras: DIZENDO-O. E é apenas através de palavras justas, que hoje vos queria aqui convocar a todos, a fim que sejais apóstolos e cimento forte neste tão nobre desígnio, porque a cada dia o mundo tem que ser melhor e Portugal tem de sê-lo de sobremaneira. E cito o grande poeta do interior, Miguel Torga «O difícil para cada português não é sê-lo; é compreender-se. Nunca soubemos olhar-nos a frio no espelho da vida. A paixão tolda-nos a vista… mas não somos um povo morto, nem sequer esgotado.»

Há cerca de um mês em Vilar Formoso, o Presidente da República, defendeu que a fronteira de Portugal com Espanha, fosse toda ela declarada Património da Humanidade pela UNESCO. Trata-se da mais antiga fronteira da Europa, uma fronteira onde muitas guerras se travaram, mas sobretudo uma fronteira onde os vizinhos dos dois lados nunca deixaram de relacionar-se cordialmente, mas sobretudo entreajudar-se em tempos de desgraça, porque os governos dos dois lados já os tinham abandonado: essa é uma verdadeira mensagem universal para toda a Humanidade, e talvez seja por aí que devamos começar.

E para bom entendedor, meia palavra deve bastar, por isso nada mais acrescento, pois esta era a mensagem simples que hoje vos queria comunicar, e dela imbuídos, continuaremos o nosso caminho, humildemente, harmoniosamente, assumindo a plenitude universal dos valores maçónicos, a liberdade em Portugal, na Europa, no mundo, para continuar a consolidação e edificação da nossa Augusta Ordem, a bem da Humanidade, à Glória do Grande Arquitecto do Universo.

Júlio Meirinhos
Grão-Mestre

13 outubro 2017

A CÉLULA

Era uma vez uma CÉLULA… era uma vez uma célula pequenininha… muito pequenininha… tão pequenininha que mal se via, mesmo ao microscópio. E para complicar a vida ao observador… ou bisbilhoteiro que é o que os observadores são, esta célula nunca estava quieta. Além de pequenininha… era uma célula viva, posta assim a funcionar pela Mãe. A Mãe Natureza… naturalmente, pois claro. E a Mãe Natureza ao pô-la na vida deixou-a com regras. Todas as células vivas têm regras ! Para poderem conviver umas com as outras.. e esta também tinha regras, naturalmente.

As regras das células são todas mais ou menos iguais, embora as células sejam diferentes umas das outras. As células são diferentes umas das outras, mas as regras são iguais. E a regra base manda que a célula se mantenha viva. Todas as células têm essa regra base. A regra base, como já disse, comum a todas as células implica que têm de se alimentar para continuar a viver. Desta forma a nossa célula, a inicial, a que começou esta história, naturalmente, começou a alimentar-se como lhe tinham dito para fazer. E começou a alimentar-se… e alimentou-se… almocinho para aqui, jantarinho para acolá… deu às tantas porque os números da roupa começavam a apertar. É que a nossa célula (bom, as outras células também, claro !) não andam nuas… longe disso, têm um vestidinho de membrana que lhes aconchega as partes. E começou a sentir que a sua membrana começava a ficar apertada. Ela alimentava-se normalmente, almocinho aqui, jantarinho acolá, e ia engordando. Como tudo tem um limite a nossa célula acabou por ter um problema grave para resolver, que era, naturalmente, a adaptação da sua membrana ao aumento de volume. E a única solução que encontrou foi… sabem qual foi ?... dividir-se em duas. Dividiu-se em duas… de tal maneira que ficaram duas, com metade do tamanho da primeira. E assim voltou a nossa célula a caber, sem dificuldade, na sua membranazinha. E as regras que estavam definidas para aquela célula inicial, foram copiadas inteirinhas para a 2ª célula, saída da divisão que se fizera, naturalmente ! Agora ambas tinham que se alimentar para continuarem vivas… e assim aconteceu… almocinho aqui, jantarinho acolá, e naturalmente, as coisas voltaram a acontecer como previsto. Engordaram, cresceram, tiveram dificuldades com as membranas respetivas e, naturalmente, voltaram a encontrar como solução a sua divisão, cada uma delas em mais 2 células, que continuavam com as mesmas regras… e por aí fora… E, vitória, vitória, acabou a história.
 

Ora bem, MQII:. vem esta história a propósito do nosso último ano e de algumas coisas que tenho ouvido e que não gosto de ouvir.

O último ano desta nossa RLMAD foi tudo menos… fácil. Foi o ano em que vimos sair vários Irmãos, cada um com a sua razão para o fazer. O que aconteceu é que, naturalmente, eles não conheciam a história da célula. Então, e por esse desconhecimento, levantou-se alguma poeira… A verdade porém, é que o ano também foi “muito ventoso” e isso não ajudou nada. É verdade, é !

E entrámos em novo Veneralato com a RLMAD… mais ligeira, talvez mais leve… Talvez cabendo melhor na sua membrana… Melhor ? Pior ? Não sei, e nem sequer faz sentido a dúvida. Entrámos em novo Veneralato com a MAD de sempre. A grande MAD a que nos orgulhamos de pertencer, com as dissonâncias e as concordâncias de sempre, com menos obreiros ? Claro que sim ! Mas qual é o espanto ? Não tem sido assim desde sempre ? Desde sempre a MAD cresceu, desenvolveu-se com o crescimento das suas oficinas, aumentou os seus quadros, até que às tantas é chegada a altura de ver partir alguns dos que “nasceram e cresceram no seu seio”. É a lei da Natureza. As células, todas as células, nascem, alimentam-se, aumentam mais ou menos o seu tamanho e entram, naturalmente, em processo de auto-divisão, originando novas células, que por sua vez se irão alimentar, crescer e subdividir, multiplicando-se, criando novos seres, novos corpos, e isso é a “Mãe Natureza” no seu funcionamento. É a regra dos seres vivos e significa exatamente isso mesmo. A MAD é um ser vivo. Ponto. Três notas finais:

1º -Não gosto de ouvir aquela dos que “só fazem falta os que cá estão”. Meus Irmãos, todos fazemos falta ! Não há Irmãos a menos, mas muito menos há Irmãos a mais. E se julgamos que há, comecemos a seleção por nós próprios, e se concluirmos que estamos a mais, pois saiamos ! Se a conclusão for outra, é nossa obrigação não julgar a legitimidade dos restantes.

2º -Não gosto de ouvir “Somos poucos, mas bons…”. A Célula, as Células que de nós saíram são formadas por maus ? Mas se é assim fomos nós (os bons) que formámos os maus ?

Liberdade, Igualdade, Fraternidade. São a base e não incluem julgamentos destes.
3º -Também percebi que se temeu, e parece-me mesmo que ouvi anunciar a possível não continuidade da MAD. Não acredito que realmente tenha ouvido tal coisa. Naturalmente foi engano meu. A dificuldade de ouvido enganou-me. Meus Irmãos, isto é osso velho, duro de roer, e para esses boatos, se acontecessem o que, naturalmente, não acredito, só vos quero recordar o que a lenda de Herculano pôs na boca do nosso Patrono, “a abóbada não caiu, a abóbada não cairá” !
(apresentado em 11/10/2017)
JPSetúbal

09 outubro 2017

Um Clone para Deus - o caos sobre a ordem


Kennio Ismail é um maçom brasileiro, professor universitário e pesquisador académico, que regularemente escreve sobre temas maçónicos. Mantém o blogue NO ESQUADRO, um dos que regularmente visito, lendo com agrado as lúcidas opiniões e exposições ali expressas.  Mestre Instalado da Loja Flor de Lótus, n.º 38, filiada na Grande Loja Maçónica do Distrito Federal, publicou já vários livros sobre a Maçonaria: Desmistificando a Maçonaria (2012), O Líder Maçom (2014), Debatendo Tabus Maçónicos (2016), Ahiman Rezon - A Constituição dos Antigos, tradução comentada sua da 3.ª edição do original de Laurence Dermott (2016) e História da Maçonaria Brasileira para Adultos (2017).

Kennio Ismail lançou-se agora numa nova, e diferente aventura: a ficção! Acaba de ser publicado pela Chiado Editora, na sua coleção Viagens na Ficção, o livro UM CLONE PARA DEUS - o caos sobre a ordem, interessante novela escrita em escorreita prosa, que prende o leitor de princípio ao fim.

Para não estragar a leitura, indico apenas aqui a breve sinopse constante da contracapa do livro:

A notícia do roubo do Sudário de Turim para fins de clonagem chama a atenção de todo o mundo, em especial da Maçonaria, acusada publicamente de ser responsável pelo crime. O facto desencadeia manifestações em vários países, com a formação de grupos a favor e contra a clonagem de Jesus.

Uma equipa maçónica formada por um professor brasileiro, um lobista americano, um hacker filipino e um mochileiro italiano é criada com a missão de descobrir os verdadeiros responsáveis e entregá-los às autoridades policiais, limpando assim o nome da Maçonaria.

A partir daí, eles iniciam uma busca frenética, uma corrida contra o tempo, com passagens por Kansas City, Turim, Edimburgo, Paris e Lisboa, e envolvendo invaões, sequestros, lutas e perseguições.

Um fim inesperado, que pode mudar o mundo ocidental como o conhecemos, ocorre numa favela do Rio de Janeiro.

Espero que este aperitivo lhe tenha aberto o apetite para a leitura desta primeira ficção de Kennio Ismail. O livro, de 212 páginas, pode ser adquirido, pelo preço de € 12,00, nas livrarias e através do sítio na Internet da Chiado Editora, designadamente utilizando o endereço https://www.chiadoeditora.com/livraria/um-clone-para-deus. Foi assim que o adquiri e, em três dias, sem mais custos ou incómodos, o recebi no meu domicílio.

A única nota negativa que atribuoo é à editora, que necessita urgentemente de melhorar a revisão dos textos que publica, de forma a que não suceda o que se deteta neste livro: um assinalável número de ausência de espaços, juntando-se palavras que foram escritas separadamente... Não impede a leitura e a compreensão do texto, mas.. é aborrecido!

Apesar disso, recomendo que também adquira o seu exemplar e mergulhe na sua leitura. Não se vai, certamente, arrepender!

Rui Bandeira

02 outubro 2017

Um maçon nunca está sozinho


Quando o meu avô morreu, a meio da sua nona década de vida, comentou-me uma das minhas tias: "O avô morreu três vezes. A primeira foi quando a avó morreu. A segunda foi quando se apercebeu de que era o último dos da geração dele que ainda estava vivo. E a terceira foi agora." E continuou: "Sabes, há um par de anos foi ao funeral de um dos amigos de infância, e quando olhou em volta, viu-se sozinho. Aqueles com quem ele cresceu, os que fizeram a escola ao mesmo tempo... já tinham ido todos. A partir daí, limitou-se a ficar à espera." Confesso que senti um arrepio ao imaginar como seria sertir-me assim.

Anos volvidos, estou bastante mais seguro de que tal não me acontecerá. Não porque tencione morrer cedo - nunca se sabe, mas não tenho grande pressa... - mas porque os meus amigos não estão todos na mesma faixa geracional; é certo que tenho uns quantos amigos chegados que são de idade próxima da minha, mas a gama de idades dos que me são próximos é bastante alargada. E tenho, mesmo, alguns amigos que nasceram uma, duas, três ou mesmo quatro décadas antes de mim.

São homens a quem trato por tu, amigos próximos com quem partilho uma piada parva, membros da minha tribo perante quem baixo a guarda. A um ou outro chego a cumprimentar, sem pensar, com um abraço e um beijo na face - tal como sempre fiz e faço ao meu pai ou ao meu irmão de sangue. Alguns nada têm que ver com a maçonaria, mas mais de metade são meus irmãos maçons.

Diz-se que, em maçonaria, "se faz amigos de infância aos quarenta anos". Só posso falar por mim - e confirmar que senti isso mesmo. O que nunca imaginei foi que, aos quarenta anos, fizesse "amigos de infância" de sessenta, e de mais. De facto, das primeiras coisas que notei no dia da minha iniciação foi a variada gama de idades: havia um ou outro que ainda não tinha feito trinta anos, mas a maior parte estava entre os trintas e os quarentas - idade em que é mais frequente ingressar-se a Ordem - mas havia também uma boa quota de cabelo grisalho e branco. Hoje não dou por nada; somos todos irmãos, e todos nos tratamos da mesma forma: por tu, e com um respeito fraternal.

Entre gerações partilha-se histórias na primeira pessoa. Os mais antigos recordam tempos idos, explicam decisões passadas, mostram os erros cometidos permitindo que não tenhamos nós que os repetir. Os mais novos, por seu lado, instilam novo fôlego em assuntos batidos, vestem ideias vetustas com novas roupagens, e por ser novo para eles o que para os demais é já conhecido, mostram-no, por vezes, como se o fora pela primeira vez. A cumplicidade vai-se construindo, ano após ano. E os laços apertam-se, mesmo sem darmos por eles.

Imagino que também alguns dos mais maduros sintam que, aos setenta ou aos oitenta, fizeram amigos de infância que por mero acaso têm metade da idade deles. Especialmente a estes, e principalmente quando sabemos que precisam, fazemos por, mais do que estar apenas disponíveis, estar mesmo presentes - e não os deixar sozinhos; isto se, evidentemente, assim o desejarem, que a liberdade de cada um é princípio absoluto entre nós. Ao contrário do que sucedeu com o meu avô, espero que a nenhum deles demos razão para sentir que o último dos seus acabou de partir e os deixou para trás. E é por isto que sei que, quando estiver no seu lugar, só ficarei sozinho se assim o desejar.

Paulo M.

25 setembro 2017

O ofício de Venerável Mestre


Em regra anualmente, as Lojas maçónicas elegem um dos Mestres do seu Quadro para assumir a função de Venerável Mestre. 

O Venerável Mestre tem a incumbência de dirigir administrativamente a Loja, com o auxílio, designadamente, do Secretário, do Tesoureiro, do Arquivista e do Orador (este com a expressa função de dirimir e/ou tentar fazer com que se ultrapassem eventuais litígios e de instruir qualquer procedimento disciplinar que porventura se mostre necessário). Deve também providenciar pela adequada instrução e formação dos Aprendizes e Companheiros da Loja, a daqueles sob a direção do Segundo Vigilante, a destes mediante a coordenação do Primeiro Vigilante. Deve ainda assegurar a adequada e correta execução do ritual praticado pela Loja, contando, para isso, com o especial contributo do Mestre de Cerimónias, do Experto e do Guarda Interno. Deve mais garantir que, quando se justifique, a solidariedade da Loja perante qualquer dos seus obreiros seja efetiva e atempadamente praticada e que o dever social da Loja de auxílio, na medida das suas possibilidades, a quem disso necessita, ou a instituições que o assegurem, não seja descurado, contando, para isso, com a indispensável colaboração do Hospitaleiro. Deve igualmente zelar pelo bom ambiente, paz, tranquilidade e concentração da Loja enquanto em sessão, em muito sendo, para tal, auxiliado nisso pelas oportunas intervenções da Coluna da Harmonia e pelas acertadas escolhas e seleções de trechos musicais efetuadas pelo Mestre da Harmonia, também designado por Organista. Deve, em acréscimo, assegurar as iniciativas especiais ou extraordinárias da Loja, podendo, para isso, contar com o auxílio de um Oficial encarregado de preparar cada uma dessas iniciativas, o Porta-Estandarte. Deve, finalmente, coordenar toda a atividade da Loja, e do seu Quadro de Oficiais, dirigir as sessões da Loja e representá-la na Grande Loja.

Para tudo isso, que não é pouco (e a dimensão do parágrafo anterior ilustra-o bem...), conta com o auxílio, o conselho e a experiência, recente, do Ex-Venerável e, principalmente, com a colaboração e o empenho de todos os obreiros da Loja. O sucesso de um Veneralato depende, claro, da capacidade de organização, gestão e coordenação do Venerável Mestre, mas essencial e inevitavelmente da resposta, da dedicação, do compromisso de cada um dos obreiros da Loja e do conjunto dela. Pode uma Loja suprir razoavelmente uma eventual menor qualidade de desempenho de um Venerável; mas o melhor, mais qualificado, mais empenhado, mais imaginativo, mais bem preparado, mais bem organizado Venerável do mundo nada conseguirá fazer de jeito sem o contributo, o respaldo, o empenhamento de toda a Loja.

A função de Venerável Mestre é complexa e exigente. Ele tem de, qual maestro, dirigir e coordenar toda uma equipa e motivar toda uma Oficina, para que seja possível ter um gratificante ano de trabalho. Mas há um aspeto dessa função em que o coletivo pouco releva: quando há que decidir! Decidir é responsabilidade exclusiva e solitária do Venerável Mestre. Para o bem e para o mal, é para isso também que os seus pares lhe confiaram o ofício. Na hora da decisão, não há democracia, não há maiorias. O Venerável Mestre tem o encargo de, sempre que for necessário decidir, tomar a melhor decisão possível, em face dos elementos de que dispõe. E a melhor decisão possível pode muito bem não ser a que teve a preferência expressa de uma conjuntural maioria. Por exemplo, não poucas vezes - arrisco dizê-lo - a melhor decisão possível é um misto da preferência da maioria com algo dos contributos de uma ou mais minorias...

Preparar, coordenar, decidir, motivar, fazer, propiciar que seja feito e tentar errar o menos possível: essas a tarefa e a função cometidas ao Venerável Mestre. É por isso que costumo dizer que ser Venerável Mestre equivale a ter duas alegrias: uma, de satisfação pela confiança em si depositada, quando é eleito para o ofício; a outra, de alívio, quando passa o malhete ao seu sucessor!

A responsabilidade do ofício de Venerável Mestre é evidentemente grande. Por isso mesmo, deve ser exercida por um período não muito longo (um ano é, para mim, o período ideal) e, sobretudo, deve a Loja estar organizada de forma a possibilitar que seja exercida, sucessivamente, pelo maior número possível de Mestres do seu Quadro. Porque a responsabilidade é grande, mas não é exclusiva de "iluminados". Porque o essencial princípio da Igualdade implica que todos os Mestres têm potencialmente capacidade para exercer tal ofício. Porque, sendo a responsabilidade grande, há muitas formas de a cumprir e cada Venerável Mestre inevitavelmente que a assegurará à sua maneira e deixando a sua pessoal marca. E, ao longo do tempo, a assunção da mesma grande responsabilidade com a diversidade resultante das diferentes caraterísticas pessoais dos sucessivos Veneráveis é uma rica lição para todos os obreiros da Loja.

O exercício do ofício de Venerável Mestre, pela sua complexidade e exigência, é fator de evolução, de crescimento, de melhoria, de quem o exerce. Por isso também deve o ofício ser exercido pela maior quantidade de obreiros possível. Afinal de contas, o principal objetivo da Maçonaria é o aperfeiçoamento dos seus obreiros... 

Rui Bandeira

19 setembro 2017

Porque só um crente pode ingressar na Maçonaria Regular



Um dos requisitos para se ingressar a Maçonaria Regular é a "crença no Grande Arquiteto do Universo". Ora, quem não esteja inteirado do significado de tal expressão nunca poderá, de boa fé, responder afirmativamente. A pergunta que daí inevitavelmente decorre é: "Mas quem é o Grande Arquiteto do Universo?" E daqui costuma advir uma longa explicação, mais ou menos complicada, e mais ou menos extensa, referindo a tolerância religiosa, a história da maçonaria e os valores de harmonia e paz que à maçonaria são caros. Vou tentar outra abordagem.

Em muitos países - e o nosso não é, infelizmente, exceção - perde-se o nome quando se é investido de um cargo; passa-se de "João", "Bruno" ou "António" a "Senhor Professor", "Senhor Diretor" ou "Senhor Ministro". Não que se perca o nome; este fica é reservado àqueles que nos são mais próximos. Os restantes tratam-nos pelo nome do cargo.

É comum, em muitas organizações, ter que se pedir autorização a um superior hierárquico para, por exemplo, se mudar um dia de férias. Isso pode, mesmo, constar de regulamento interno, que dirá algo como "A alteração de férias carece de aprovação pelo respetivo diretor". Não diz o nome do diretor, nem o nome do funcionário; nem sequer refere o departamento. Mas toda a gente saberá o que deve fazer, e o que esse artigo do regulamento significa.

Situação semelhante se passa, num contexto maçónico, com as divindades em que cada um de nós crê. Entre maçons, é consensual que a expressão "Grande Arquiteto do Universo", frequentemente reduzido à sigla "GADU",  simboliza o Ser Supremo em que cada um acredita; por outras palavras, para os cristãos GADU é Deus; para os muculmanos, Allah; e por aí fora. Não é, de modo algum, o nome de um qualquer hipotético (e inexistente...) deus maçónico; não é o nome de um Deus, mas o "posto", o "cargo" que ele ocupa. Longe de se permitir que cada um manifeste a sua crença num ser que designa de forma diferente, usa-se uma expressão que a todos serve, ao mesmo tempo que salienta as semelhanças e esbate as diferenças.

Os rituais maçónicos referem, em certos momentos, o Grande Arquiteto do Universo; os maçons dedicam os trabalhos que fazem e apresentam em Loja "À Glória do Grande Arquiteto do Universo"; ouve-se, frequentemente, invocações como "Que o Grande Arquiteto do Universo ilumine o nosso caminho" ou "Receba-o o Grande Arquiteto do Universo no Oriente Eterno." Estas expressões têm claras implicações por parte de quem as profere, mas não vinculam forçosamente quem as ouve. Por outro lado, são uma clara referência às características que quem as profere atribui à Divindade em Quem acredita.

Cada um sabe qual é o nome do "seu" GADU - como cada funcionário conhece o nome do seu diretor. Não precisa de estar sempre a dizer aos outros quem ele é. Quem não seja crente rapidamente se sentirá um corpo estranho - que é, acima de tudo, o que se pretende evitar com este requisito.

Monoteístas, deístas, teístas, panteístas, e mais uma infinidade de outros -istas, são todos bem vindos desde que, esclarecidos, com verdade, e com convicção, se afirmem crentes no Grande Arquiteto do Universo. Dito isto, se alguma vez tiverem que responder a esta pergunta, cada um de vós saberá, no seu íntimo, se é ou não crente no Grande Arquiteto do Universo, sem necessidade de mais explicações - e ninguém vos pedirá que elaborem mais do que isso mesmo.

Paulo M.

11 setembro 2017

O Vigésimo Sexto Venerável Mestre


No ano maçónico de 2014/2015, a Loja Mestre Affonso Domingues teve como seu Venerável Mestre o Irmão Luís N. C..

Luís N. C. é um gentleman, de uma polidez a toda a prova. mantendo sempre uma calma olímpica e uma impertubável serenidade que, no entanto, não prejudicam uma segura determinação no cumprimento das tarefas que se propõe realizar. Tomou conta do leme da Loja após um período anómalo na sua gestão, pois, no ano anterior, a Loja tivera um Venerável que, muito pouco tempo após a sua instalação, teve que se ausentar, um largo período de substituição assegurada interinamente e, por fim, um novo Venerável para um mandato reduzido. Havia que procurar retomar a normaliddade e foi isso que Luís N. C. providenciou.

A Loja retomou as suas rotinas. Foi dada atenção à regularização da situação administrativa e financeira. Retomaram-se as tarefas de formação dos mais recentes elementos da Loja. Tudo isso Luís N. C. assegurou e assegurou bem. Aparentemente, a Loja retomava a sua normal evolução. E a todos, então, isso pareceu.

Visto agora, à distância de algum tempo - e conhecendo a evolução futura... -, porém, algo subtilmente estava em mudança. Como sempre acontece, as pequenas alterações passam despercebidas e vão-se acumulando e interagindo até que chega o momento em que uma mudança se manifesta.  Visto agora, à distância de algum tempo, acumulavam-se desde os tempos dos Vigésimo Quarto e Vigésimo Quinto Veneráveis Mestres os indícios e sinais de mudança a caminho e prosseguiu, ainda impercetivelmente, tal processo no decurso do mandato de Luís N. C..

Da geração dos primeiros tempos da Loja restavam já apenas uns quantos elementos. A Loja era agora essencialmente constituída por uma nova geração, que não vivera os tempos da implantação da Loja e, sobretudo, não passara pelo ordálio da cisão de 1996/1997. Todo um conjunto de formas de trabalhar, de equilíbrios, de cuidados eram agora praticados e vividos por quem não vivera os tempos e não passara pelos acontecimentos que forjaram essas formas, esses equilíbrios, esses cuidados. E seguramente não é o mesmo ter vivido situações e, por saber de experiência feito, ter a noção da razão de ser de certas escolhas, de determinadas práticas, ou apenas ouvir a informação do facto ou da ocorrência que subjaz a uma escolha ou à implantação de uma prática. Acresce ainda que os tempos passam, as memórias são falíveis e certamente haverá opções tomadas há mais de vinte ou vinte e cinco anos que agora nem sequer se sabe muito bem porquê... Para além de os tempos mudarem e as coisas evoluirem...

Por esta altura, era assim evidente que se aproximava um tempo em que seria necessário rever opções, refrescar práticas. A Tradição da Loja preza-se e é mantida, mas não pode deixar de se atender à evolução e é sempre preciso ajuizar serenamente se e quando há que mudar algo e como.

Mas o que parece óbvio em teoria é mais complicado na prática das coisas. É fácil dizer-se que devemos estar atento à necessidade de mudanças, de atualizações. Mais difícil - muito mais! - é decidir que concretas mudanças e atualizações são convenientes e como e em que sentido devem ocorrer...

Após o ano atípico anterior, claramente que a Loja precisava de um retomar da rotina que simultaneamente constituísse um tempo de pausa para clarificação de ideias em relação à efetiva necessidade de mudanças de práticas e ou de objetivos, e quais. Isso garantiu-o, e bem, Luís N. C..

O diagnóstico que então se fazia era que a Loja estava adaptada às rotinas e aos entendimentos dos mais antigos, da Velha Guarda, práticas e rotinas essas com que os mais novos - os mais recentes na Loja - não se identificavam totalmente. Havia uma transição de gerações a fazer, necessariamente com algumas mudanças. Nesse sentido, era necessário que os elementos da Velha Guarda se fossem paulatinamente afastando da primeira linha das decisões, dando lugar aos mais novos. A transição ir-se-ia então naturalmente fazendo e as mudanças aconselháveis surgiriam também tranquilamente.

Este era o estado da arte da Loja Mestre Affonso Domingues no ano em que Luís N. C. a dirigiu Fê-lo bem., fê-lo a contento e deixou ao seu sucessor a Loja pronta para continuar a sua natural evolução.

Rui Bandeira

04 setembro 2017

Maçonaria: do passado rumo ao futuro


Convencionou-se a data de 24 de junho de 1717 como o marco de partida da moderna Maçonaria Especulativa. Sabemos hoje que nesse dia ocorreu a formalização da Grande Loja de Londres, em sessão ocorrida na taberna Goose and Gridiron, sendo essa formalização decorrente de trabalhos e contactos preparatórios entre quatro das Lojas então existentes na região de Londres e Westminter. O marco faz sentido, pois a criação da Premier Grand Lodge marcou a assinalável expansão da Maçonaria, primeiro no Reino Unido e rapidamente em toda a Europa e no resto do mundo.

Esta moderna Maçonaria Especulativa evoluiu a partir da então decadente estrutura de oficinas operativas que enfrentavam o espetro da obsolescência, em face da evolução das técnicas de construção e da própria sociedade.

Do velho e caduco fez-se novo, pujante e diferente. A Maçonaria Especulativa deu corpo, estrutura de enquadramento e divulgação e meios à ideologia racionalista, iluminista, experimentalista, que se afirmava em substituição do conhecimento escolástico herdado da Idade Média e apenas abanado pelo Renascimento. Constituiu também o cadinho de desenvolvimento da harmonização entre a Ciência e a Crença, entre a Razão e o Espírito, entre a Dedução e a Intuição.

A Maçonaria Especulativa é um dos elementos de derrube do Antigo Regime ideológico vigente na Europa, resultante de séculos de prevalência do Poder Eclesiástico sobre o Poder político, de organização política e social estratificada em classes estanques que inviabilizavam ou dificultavam a mobilidade social, assente na prevalência dos ditames religiosos sobre tudo o resto.

Os 300 anos desde então decorridos mostraram que a evolução em que se inseriu a Maçonaria especulativa, a ideologia que cultivou e divulgou e defende correspondeu à necessidade de evolução das sociedades. Da sociedade estratificada feudal ou pós-feudal então existente, evoluiu-se para novas formas de governo (Monarquias constitucionais e Repúblicas substituindo o Absolutismo, universalização dos princípios da separação de poderes e do exercício da soberania em representação do Povo, entendido como o conjunto englobando todos os cidadãos insertos numa dada unidade política), para novas e ainda em evolução formas de produção e distribuição económicas (Liberalismo, Capitalismo, Estado-Providêmcia, Desregulamentação, Globalização, etc.),  para novas e cada vez mais avançadas e complexas formas de aquisição e divulgação do Saber, em todos os campos da Ciência.

A evolução da Ciência criou em muitas mentes, num primeiro (mas longo…) momento, o entendimento da existência de oposição entre a Ciência, o Conhecimento Científico, o Saber de experiência feito e a Religião, a Crença, o Espiritual. Para esse entendimento, o inevitável avanço da Ciência necessariamente constituiria o recuo, o declínio, a extinção da Religião. Neste aspeto, a Maçonaria atravessou toda a recente evolução humana, social e científica com outra postura ideológica, a da Harmonização final da Ciência e da Religião, do Saber e da Crença. A dicotomia, a diferença, a aparente oposição entre Ciência e Religião resultam muito mais do que (ainda) o Homem não sabe do que daquilo que já aprendeu! Claro que o avanço da Ciência expõe os erros existentes em muitas crenças. Evidentemente que a Ciência expõe, à medida que avança, os limites da Crença e obriga a repensar ditames religiosos. Mas também existem limites à Ciência, à capacidade humana de tudo desvendar, de tudo revelar, de tudo aprender – e esses limites são expostos pela Religião, pela Crença!

Há trezentos anos atrás, as sociedades europeias laboriosamente percorriam o caminho de saída da conceção dogmático-religiosa do mundo. Hoje exploram as fronteiras do Conhecimento, buscando o horizonte para lá do horizonte, cada geração desvendando mistérios e aprofundando conhecimento como a geração dos seus pais não tomava por possível e a dos seus avós nem sequer imaginava.

A Ciência investiga o palpável, o concreto, o material. O espiritual, o intangível não é (ainda?) o seu campo. No entanto, cada vez mais cientistas vão adquirindo a noção de que esse intangível existe. Só que não (ainda?) acessível segundo os meios da Ciência.

Quanto às diversas crenças, vão evoluindo, também laboriosamente, muitas delas a contragosto, em função do que o Homem vai conhecendo.

A Maçonaria, que tem como um dos seus princípios ideológicos a compatibilização da Ciência e da Religião, deve, em cada momento, procurar efetuar essa harmonização. A Ciência avança, mas continua a ter limites que não consegue (ainda?) ultrapassar. As Crenças devem reconhecer e integrar o Conhecimento que os avanços da Ciência proporcionam, revendo as suas proposições em função disso.

No entanto, a Maçonaria, ao longo dos últimos trezentos anos, não se limitou à busca da preservação dos meios e caminhos e vontades de compatibilização entre a Ciência e a Religião. No domínio da organização das sociedades abraçou e divulgou os princípios da Liberdade e da Igualdade. Muitos dos seus obreiros lutaram para fazer vingar nas suas sociedades esses princípios. Desde o parlamentarismo europeu ao presidencialismo americano, desde a implantação de sistemas políticos favorecendo o bipartidarismo ao favorecimento de regimes privilegiando o multipartidarismo. Desde a opção pelo Regime Monárquico Constitucional até à preferência pelo Regime Republicano, em todas as latitudes a Maçonaria e os seus obreiros expressaram-se em favor da Liberdade e da Igualdade e defenderam o princípio da Separação de Poderes como meio indispensável para as concretizar.

Hoje, trezentos anos passados, temos a ilusão de que a Liberdade e a Igualdade, de que a Separação de Poderes, enfim, a Democracia estão implantadas e são irreversíveis. Continua a competir à Maçonaria alertar para o facto de que, em matéria de organização social nada é nunca definitivo e tudo tem, em cada momento, de ser defendido. A Liberdade, a Igualdade, a Separação de Poderes, a Democracia, estão hoje implantadas nos países desenvolvidos socialmente, mas cumpre alertar e providenciar para a sua defesa, para que não se perca o que a muitos custou muito sangue a obter.

Mas a Maçonaria não confunde, não pode nem deve confundir, a defesa destes princípios essenciais com as formas de os concretizar e aplicar. No respeito por estes princípios essenciais há uma variada panóplia de regimes, de opções, de formas de organização e gestão dos Estados e do Poder político que só aos respetivos povos e estruturas de decisão dizem respeito. Aí, a Maçonaria não se deve imiscuir. É campo, não já dos princípios essenciais, mas da Política, que, sendo nobre, implica escolhas entre várias hipóteses admissíveis no plano dos Princípios essenciais. Deve a Maçonaria resguardar-se e não se imiscuir – até porque, legitimamente, o normal é que haja maçons defensores das várias hipóteses possíveis.
  
Sem se imiscuir no plano das escolhas políticas concretas, deve a Maçonaria sempre defender, divulgar, apoiar, praticar e exigir que se pratiquem os princípios essenciais da Liberdade, da Igualdade, da Separação de Poderes, em suma, da Democracia. Este foi um profícuo campo de atuação da Maçonaria nos últimos trezentos anos. Deverá continuar a sê-lo nos próximos trezentos.

A Maçonaria, ela própria, dentro de uma matriz essencial evoluiu com assinaláveis diferenças em diferentes áreas geográficas e em diferentes épocas. No Reino Unido, cedo se afirmou integrante das instituições sociais, integrando-se harmoniosamente no establishment. Em França veio a adquirir uma conotação mais social, política, revolucionária até. Nos dias de hoje, ambos os ramos da Maçonaria assumem em França um papel mais interventivo na coisa pública do que na maior parte das outras zonas do globo. Nos Estados Unidos, a vertente filantrópica da Maçonaria assumiu uma importância notável, essencial e certamente diferenciadora em relação a outras paragens.

Após as I e II Guerras Mundiais, a Maçonaria viu crescer enormemente o número dos seus obreiros. Os soldados que sobreviveram aos conflitos, desmobilizados, encontraram na Maçonaria a camaradagem, o espírito de fraternidade que os ampararam nas trincheiras e nas duras batalhas na Europa, no Norte de África e no Pacífico. Toda uma geração se reviu na Maçonaria e nos seus princípios. Atenuada a memória desses conflitos, as gerações seguintes não se reviram com a mesma intensidade na Fraternidade que unira os seus pais e avós e, nos mesmos espaços onde a Maçonaria vira duplicar, triplicar e quadruplicar os seus obreiros, começou a definhar. Noutras paragens, porém, a Maçonaria expandia-se.
  
Qualquer observador minimamente informado repara nas diferenças de estilo e de atuação que existem dentro da realidade global e essencialmente semelhante que é a Maçonaria. Qualquer interessado anota a flutuação de número de obreiros da Maçonaria ao longo dos tempos e nas diferentes latitudes. Estas variações e flutuações têm a ver com a natureza de instituição social que a Maçonaria adquiriu e com a importância que, enquanto instituição, as várias e sucessivas sociedades nela vão reconhecendo. Sempre existiram e sempre existirão e terão mais a ver com as mudanças e condições sociais do que com a Maçonaria ela própria.

A natureza essencial da Maçonaria é, no entanto, a mesma em todas as latitudes e em todas as épocas. Coloca em confronto o Homem consigo mesmo. O Homem com a Ética. O Homem com a noção da Perfeição, sua inatingibilidade, mas a compulsão humana para a procurar. O Homem com o Transcendente. Nesse confronto, o maçom procura, antes de mais, conhecer-se, como base indispensável para determinar o que e como tem de melhorar. Procura, sempre, aperfeiçoar-se. Em matéria de conhecimento, mas sobretudo em termos éticos. Anseia superar-se. Como pessoa, como homem de família, como ser social, como profissional. Em termos morais e espirituais. Mesmo sabendo que lhe é impossível atingir a Perfeição, busca aproximar-se dela tanto quanto lhe for possível. Porque assim a sua natureza o compele a proceder, na perspetiva do encontro e do diálogo com o Transcendente. Encontro e diálogo nos quais a valia da vida de cada um se apura em face da concretização de cada um do potencial que imanentemente lhe foi outorgado.

Este confronto essencial do Homem não é novo. Já o Oráculo de Delfos ordenava Conhece-te a ti mesmo. Inúmeras correntes místicas e escolas religiosas nasceram em torno dele. O que de diferente ele assume na Maçonaria é o particular método de o concretizar. Já não em retiro de eremita ou seguindo diretrizes de líder espiritual. Mas cada um, como entidade própria, digno, igual a todos os demais, livre, inserido no seio de iguais. Cada um trilhando o seu caminho, sem julgar os trilhos dos demais. Cada um pondo em comum o que aprende, o que conquista, o que descobre, mas também aquilo em que falhou, a dificuldade com que deparou, o obstáculo que tem de transpor. Cada um beneficiando do que os demais em comum, como ele, põem. E, agora sim, ajuizando do confronto da sua experiência com as dos demais, o melhor trilho a seguir, o próximo passo a dar, o patamar a atingir. Cada um navegando o seu próprio caminho, mas todos bolinando à vista uns dos outros.

Este método de ser único no meio da comunidade, de partilhar a sua individualidade com os demais da comunidade e de recolher em seu benefício o que de útil para si encontra nas partilhas dos demais, esse, sim, é próprio e essencial da Maçonaria. Esta é a essência que, em todas as latitudes, com todas as diferenças, a Maçonaria e cada maçom devem preservar.

Esta a essência que vem de há trezentos anos e que informou os maçons em cada tempo e em cada lugar segundo as necessidades do maçom, do tempo e do lugar. Tempos houve em que o preciso foi adquirir e treinar o conhecimento científico e deixar para trás a escolástica dos tempos medievais. Tempos houve em que o indispensável foi garantir a Liberdade, a Igualdade, a Separação de Poderes, a Democracia. Tempos houve em que o necessário foi curar profundas feridas de sobreviventes de inimagináveis horrores, manter acesa a chama da Fraternidade e apaziguar consciências com a prática da Filantropia. Tempos houve em que foi possível estudar em conjunto, especular por si e em grupo, aprender, experimentar, tentear, buscar o melhor Ser que há em si, sem atenção ao Ter de cada um. Tempos houve para tudo isso. Tempo é de tudo isso. Tempos haverá para tudo isso.

Os tempos e as sociedades mudam. Os maçons não se reúnem já nas tabernas como há trezentos anos. Hoje comunicam entre si e com as sociedades em que se inserem utilizando as Tecnologias de Informação que o engenho humano concebeu e agora disponibiliza. Desengane-se quem pensar que essas circunstâncias exteriores obrigam à mudança da Maçonaria. Desiluda-se quem pretender que a Maçonaria mude o seu rumo em face de críticas, aceitações, reservas ou discordâncias. A identidade da Maçonaria não muda – ou transformar-se-ia em outra coisa diferente, apenas porventura usando o mesmo nome…
  
Desde há trezentos anos que a essência da Maçonaria é o nobre confronto do Homem consigo mesmo, buscando a maior aproximação possível à inatingível Perfeição, em face do Transcendente, confronto esse levado a cabo por cada um no seio de um grupo com que partilha avanços e recuos, vitórias e desaires, e beneficiando das partilhas dos demais.

Isto é a Maçonaria – desde há trezentos anos. Isto será a Maçonaria – nos próximos trezentos anos, e mais!

Rui Bandeira

28 agosto 2017

O Padrinho (II) - republicação


Texto originalmente publicado no blogue A Partir Pedra em 30 de março de 2011.

Para além da indispensável função de auxiliador da integração do novel elemento na Loja, o Padrinho deve assumir uma outra função em relação àquele que propôs para integrar a Loja, relacionada com a formação do Aprendiz.

A formação dos Aprendizes decorre sob a direção do 2.º Vigilante, seu responsável. O Padrinho não pode, nem deve, substituir-se-lhe. Mas pode, é é útil que o faça, exercer um precioso papel complementar. Não nos esqueçamos que o 2.º Vigilante tem de coordenar a formação de um conjunto de Aprendizes, com diferentes personalidades, variados percursos de vida, diversas preparações, separados interesses, para além do comum, relativamente à Arte Real, vários tempos de permanência no grau - e, portanto, dissemelhantes estádios de evolução no conhecimento e tratamento dos elementos simbólicos catalisadores da evolução de cada um. O 2.º Vigilante elabora um plano de formação que, necessariamente, é um máximo denominador comum em relação a todo este conjunto de variáveis - e, logo, um programa apenas básico, que carece de ser desenvolvido e completado por cada um dos próprios Aprendizes.

É no auxílio personalizado ao seu afilhado que o Padrinho tem, neste campo, um particularmente útil papel. O seu afilhado tem dificuldades em encontrar bibliografia para estudar qualquer tema? Deve recorrer ao Padrinho. Pelo contrário, o Aprendiz depara-se com uma extensa lista de elementos bibliográficos, com muito lixo e muita esotérico-birutice misturados com elementos relevantes? Cabe ao Padrinho guiar o seu afilhado, apontar-lhe o que é válido, adverti-lo em relação ao que não tem valor ou interesse. O Aprendiz está num estádio mais avançado que o plano de formação geral proporcionado? Incumbe ao Padrinho complementar essa formação genérica, apontando-lhe pistas de investigação ou meditação, exortando-o a ir mais além ou estudar com maior profundidade e a registar o resultado do seu labor, e seguidamente, criticando construtivamente esse resultado, iluminar insuficiências, expor contradições, indicar caminhos de exploração alternativos, enfim, corresponder ao interesse e capacidade do Aprendiz e ajudar a que seja frutífero um tempo que, sem essa ajuda, seria sentido como uma desilusão. Pelo contrário, o Aprendiz tem dificuldade em entender a simbologia, em tratar determinado tema, em assimilar certo ensinamento? O Padrinho deve ser o auxiliar que ajuda à ultrapassagem da situação.

Em matéria de formação do Aprendiz, o Padrinho deve ser um verdadeiro tutor, no sentido (em inglês) do termo que lhe é dado pelas Universidades anglossaxónicas: um guia, um auxiliar, um apontador de caminhos, um crítico, um gestor e disciplinador do processo de aquisição de conhecimentos.

Mas - atenção! - nunca um substituto do responsável da formação e nunca um substituto do próprio Aprendiz. O trabalho que o Aprendiz deve fazer deve ser feito por ele - não pelo Padrinho. "Fazer a papinha toda" ao Aprendiz é o mesmo que não o formar, método quase assegurado de falhar a sua formação. O tutor (em português) da árvore auxilia-a, enquanto pequena e frágil, a manter-se direita e a resistir ao vento, proporcionando-lhe tempo e condições para que cresça, robusteça, se fortaleça - não é seu objetivo que cresça em vez dela...

Este papel do Padrinho na formação do seu afilhado termina ou, pelo menos, atenua-se muito sensivelmente, quando ele finda o seu período de aprendizagem e é passado a Companheiro. Aí o tempo é já outro, a independência do obreiro cresce, em conjunção com a sua aumentada capacidade, o seu desejo de começar a trilhar por si os seus próprios caminhos emerge. Cabe ao Padrinho então afastar-se e observar à distância, só intervindo em duas situações: ou perante pedido expresso do afilhado ou se verificar evidente e grave desvio de percurso, que levará o obreiro a falhar a sua caminhada, em intervenção de urgência para tentar voltar a pôr nos carris o que porventura tenha descarrilado. Mas, na maior parte das situações, quando o seu afilhado passa a Companheiro, o Padrinho passa a ser apenas um atento e disponível observador do seu afilhado, na caminhada que o levará, no passo seguinte, à plena igualdade de ambos.

Rui Bandeira

21 agosto 2017

O Padrinho (republicação)


Texto originalmente publicado no blogue A Partir Pedra em 23 de março de 2011

Em Maçonaria, designa-se por Padrinho o primeiro proponente da candidatura de um profano à iniciação.

Com esse ato, o primeiro signatário dessa candidatura afiança perante a Loja a boa fé do candidato, o seu reto propósito, a posse das características e da maturidade indispensáveis ao profícuo trabalho de desenvolvimento e aperfeiçoamento pessoal que é o objetivo primeiro de cada maçom regular e a capacidade de harmoniosa integração no grupo, na Loja, do candidato proposto.

Com efeito, não deve ser admitido às provas da Iniciação quem não detenha a necessária maturidade para efetuar o trabalho de um maçom, quem não possua características compatíveis com o trabalho maçónico, quem, por índole ou feitio, não seja capaz de harmoniosamente se integrar num grupo de desconhecidos que pré-existe em relação à sua entrada, existirá com a sua presença e permanecerá após a sua partida. E é claro que a boa fé de quem se apresenta é absolutamente essencial...

Só pode ser padrinho de um candidato um Mestre Maçom, pois é indispensável a realização do percurso de aprendizagem, a interiorização do que é e como trabalha a Maçonaria, de como é a Loja, das virtudes, defeitos e insuficiências do grupo, enfim, o conhecimento do que é a Maçonaria e a Loja, para, com o mínimo de erro, poder aferir da compatibilidade entre o candidato e a Instituição, a Loja e os seus obreiros.

À Maçonaria não interesa iniciar por iniciar. Não se trabalha para números, para "crescimento". À Maçonaria interessa acolher homens bons que querem e podem ser homens melhores. Só isto - e muito é! À Maçonaria não interessa perder tempo, trabalho e energias com quem não quer, ou não pode, efetuar o persistente e solitário e apenas interiormente gratificante trabalho do aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual. Nem a Maçonaria tem qualquer gosto em que alguém perca seus tempo, trabalho e energias entrando para uma Instituição que verdadeiramente não lhe interessa.

Por isso procura minimizar os (inevitáveis) erros mediante um exigente, ponderado (e demorado...) processo de admissão, que nunca se inicia sem a indispensável caução de um Mestre proponente, acompanhada de idêntica ação de um outro Mestre.

O Padrinho deve, assim, inevitavelmente, conhecer pessoalmente o candidato, com a profundidade necessária para poder fazer o juízo de prognose favorável à sua integração que o habilita a caucionar o pedido de adesão.

Caucionada que esteja a candidatura, o Padrinho retira-se de cena durante o decurso do processo de análise da mesma. Não tem nada mais que dizer. Cabe à Loja assegurar-se de que o seu juízo está correto, que não foi perturbado por amizade, parentesco, consideração ou dependência que o tenham induzido em erro.

Mas, uma vez decidida a admissão do candidato, então o Padrinho começa verdadeiramente a exercer a sua função. O seu papel não se esgotou na caução dada. Só após esta decisão verdadeiramente começa! O Padrinho é o elo de ligação entre a Loja e aquele que um dia, estando de fora (Profano), nela quis entrar (Candidato) e nela foi admitido (Maçom Iniciado; Aprendiz). Como tal, é o primeiro responsável por tudo o que respeita à integração deste novo elemento no grupo. Desde logo por algo tão básico como caber-lhe a ele informar o Candidato das obrigações financeiras que a sua Iniciação implica, providenciar para que, no dia da sua Iniciação o Candidato saiba onde, quando e como se deve apresentar e conduzi-lo ao local físico onde a Cerimónia terá lugar. Mas também, consumada a Iniciação, pelo longo e complexo processo de integração do novo elemento no grupo.

Muitas vezes, o Padrinho é a única cara na Loja que o novo Aprendiz reconhece, o único que não lhe é completamente estranho. Quando assim é, é o padrinho o único ponto de apoio de que o novo elemento dispõe, até que, a pouco e pouco, às vezes mais lentamente, outras com maior facilidade, consoante a personalidade de cada um, as relações pessoais se vão estabelecendo com os demais elementos do grupo e daí evoluindo até onde as compatibilidades e empatias estabelecidas com cada um permitam evoluir.

Este processo de integração pode, por vezes, ser mais difícil ou demorado do que o antecipado e, até que esteja ultimado, o seu sucesso em muito depende do Padrinho. Este tem que elucidar o novo Aprendiz das regras (muitas não escritas e algumas não facilmente apreensíveis) de funcionamento, de cooperação, de relacionamento, existentes no grupo (e cada Loja é um grupo diferente, com uma história, um passado, uma evolução, diferentes, com dinâmicas de grupo próprias), para que as conheça e nelas se integre harmoniosamente.

Mas também deve intermediar, prevenir e colmatar possíveis incompreensões ou desagrados do grupo ou de algum elemento do grupo perante atitudes ou características do novo Aprendiz. A Maçonaria não é um grupo de amorfos, privilegia gente assertiva, livre pensadora, que busca o seu lugar e define e trabalha e atinge objetivos. É natural que um novo elemento queira mostrar a sua valia ao grupo, encontrar nele o seu lugar. Muitas vezes, no seu afã de tal, esquece que há regras e modos e meios que ainda não aprendeu e comete erros, às vezes excessos, outras vezes omissões, que podem a um ou outro desagradar. Há que compatibilizar, esclarecer, moderar, ajudar a que o espaço a que o novo elemento tem direito seja encontrado, de forma a que todos beneficiem.

Esta tarefa - quase que diplomática - de garante da boa integração do novo elemento no grupo e do bom acolhimento do grupo ao novo elemento incumbe, em primeira linha, ao Padrinho.

É dever do Padrinho assegurá-la, sob pena de a integração falhar, de um bom elemento se perder, de o grupo e o indivíduo gastarem tempo e energias em vão.

Costumam os maçons dizer que cada candidato iniciado é um Venerável Mestre (e um Grão-Mestre...) em potência. Para garantir que essa potencialidade possa, a seu tempo, evoluir para a possibilidade, depois a probabilidade, finalmente a realidade, é indispensável que o Padrinho exerça efetivamente a sua função e não se limite a rabiscar displicentemente a sua assinatura num formulário de candidatura.

Rui Bandeira

14 agosto 2017

Quite (republicação)


Texto originalmente publicado no blogue A Partir Pedra em 8 de dezembro de 2010

Um maçom deve estar sempre quite para com a sua Loja, isto é, ter cumpridas as suas obrigações para com esta. As obrigações mínimas do maçom perante a Loja respeitam ao dever de assiduidade, isto é, à comparência em todas as sessões de loja para que for convocado, e o pontual pagamento da quota mensal.

Estar quite é cumprir estes deveres SEMPRE. Sempre que um obreiro injustificadamente falte a uma sessão, viola o dever de assiduidade e, portanto, não está quite. Sempre que se inicia um mês do calendário civil sem ter pago a sua quota do mês anterior, não está quite.

Não está quite perante si próprio, perante a sua consciência. Porque, incumprindo o seu dever de assiduidade, sem justificação para tal, incumprindo, podendo fazê-lo, o seu dever de pagar a sua quota mensal, o obreiro está, antes de mais, a faltar aos compromissos que assumiu, respetivamente, de assiduidade e de comparticipação para o Tesouro da Loja. E o cumprimento dos compromissos livremente assumidos é uma questão de honra! Logo, o maçom que injustificadamente falte a uma sessão de Loja para que foi convocado, que se deixa, sem razão que o justifique, entrar em mora no cumprimento do seu dever de contribuição para as despesas da Loja, antes de tudo e cima de tudo sente-se ele próprio desonrado.

O atraso no pagamento das quotas pode ser remediado: basta pagar o que está em dívida e ficar-se-á quite. Já o incumprimento do dever de assiduidade causa sempre prejuízo. À Loja porque fica privada do contributo do maçom. E todos os contributos de todos os maçons da Loja são inestimáveis e imprescindíveis. Do Mestre mais antigo ao Aprendiz mais recente, todos e cada um são essenciais para o aperfeiçoamento de cada um e global da Loja. Mas o incumprimento do dever de assiduidade prejudica sobretudo o próprio incumpridor. E, de alguma forma, é incompreensível: pois não tomou o maçom a decisão de pedir a Iniciação para beneficiar da ajuda da Loja no seu crescimento pessoal, na sua jornada própria? E vai prejudicar a sua demanda, prescindir do contributo do grupo não comparecendo? O tempo não para, não se pode rebobinar o filme. A única forma de remediar a falta sem motivo é diligenciar pelo estrito cumprimento do dever de assiduidade. Assim se diluirá o atraso, assim se recuperará o trabalho que ficou um dia por fazer. Assim se fica, de novo, quite. Quite para com a Loja. Mas sobretudo – e principalmente! – quite perante si próprio!

O maçom tem, a todo o tempo, direito a que a sua Loja certifique que se encontra quite. Se o fizer na constância e na permanência da ligação à sua Loja, é-lhe emitida uma declaração de good standing, com a qual poderá provar, perante qualquer outra Loja que visite, ser um maçom quite, em boa posição, de pé e à ordem, perante a Loja, a Maçonaria e ele próprio. Se o fizer no âmbito do processo de desvinculação da sua Loja – que é um direito que todo o maçom a todo o tempo pode exercer -, seja por entender dever adormecer, isto é, suspender a sua atividade maçónica ou por decidir mudar de Loja, é-lhe então emitido um atestado de quite. Com esse documento, fica ultimada a sua desvinculação da Loja. O maçom pode assim pedir a sua admissão a outra Loja, comprovando perante a mesma estar quite de todas as suas obrigações perante a Loja de que se desvinculou. Ou, se simplesmente pretender suspender a sua atividade maçónica, pode, se e quando o entender, retomá-la reintegrando-se na mesma ou em outra Loja, comprovando que cumpriu os seus deveres enquanto esteve em atividade maçónica, pelo que saberá voltar a cumpri-los ao retomá-la.

Mas, no fundo, o atestado de quite é apenas uma declaração num papel. O que verdadeiramente interessa é que o maçom se sinta, ele próprio, pessoalmente, perante si mesmo, sempre quite. E é para que assim seja que a Loja existe e se disponibiliza e auxilia e coopera. Porque a razão de ser da Loja, da Obediência, da Maçonaria é, afinal, simplesmente, o maçom. Cada um deles. Cada um de nós. Livre, especial, insubstituível e... quite!

Rui Bandeira

07 agosto 2017

Diversidade (republicação)


Este texto foi originalmente publicado no blogue A Partir Pedra em 17 de novembro de 2010

A Maçonaria é, por vezes, vista do exterior como uma instituição fechada, imutável, dotada de uma grande coesão, que atua em bloco. Esta visão não é, nem de perto, nem de longe, correta. Pelo contrário, a Maçonaria é dotada de uma invulgar diversidade, agrupando sob a mesma genérica denominação, realidades distintas, práticas diversas, entendimentos díspares. Em todos os aspetos, a começar logo pelas suas origens...

A maior parte dos estudiosos da Maçonaria considera que ela tem a sua origem nas corporações medievais de construtores em pedra, de catedrais, palácios, fortificações, etc.. Mas essas agremiações medievais, embora partilhando regras e costumes similares, tinham caraterísricas muito próprias e específicas, em função da sua localização geográfica. Só para falar das Ilhas Britânicas, a organização específica das Lojas Operativas inglesas diferia das escocesas, que por sua vez, tinham sensíveis diferenças das irlandesas. Em França, não se pode falar dos antecedentes históricos da Maçonaria sem referir a Compagnonage. As agremiações de construtores da Flandres tinham usos diversos das italianas e estas das teutónicas. Por isso, quando se afirma que a Maçonaria Especulativa moderna evoluiu da Maçonaria Operativa - afirmação que, pessoalmente, considero correta -, é bom que se tenha presente que esta evolução resulta de diferentes Tradições, não inteiramente díspares, mas também não totalmente semelhantes.

Mas, ainda no campo da origem da maçonaria, há aqueles que a situam nos Templários e respetiva Tradição. E aqueles que a fazem remontar aos Antigos Mistérios egípcios e ou mitraicos.

Só no tema das origens podemos detetar assinaláveis diferenças de entendimento, que conduzem a diversas posturas e práticas. É inevitável que haja diferenças de conceção, mais visíveis ou mais subtis, entre quem considera praticar algo que evoluiu das corporações medievais e quem acredita que a sua prática descende da tradição cavaleiresca religiosa e ainda quem considera a maçonaria herdeira dos herméticos mistérios da Antiguidade.

Mas a Maçonaria também assume estilos e práticas diversas em função dos grandes espaços em que se insere. Não é a mesma coisa falar-se da Maçonaria Americana e da Maçonaria Europeia Continental. Não é de todo a mesma a realidade da Maçonaria Inglesa e da Latinoamericana. Isto para não falar da diversidade asiática e da progressiva afirmação maçónica em África.

Mesmo dentro de cada bloco geográfico - diga-se assim - as Obediências Nacionais e as práticas maçónicas em cada país mostram-nos assinaláveis diferenças e visíveis variantes, designadamente em práticas rituais. Cada país tem uma discreta evolução própria, que, ao longo do tempo, adquire uma individualidade específica, também inerente às diversidades culturais dos diversos povos. Se se assistir a uma sessão de Loja em Itália, na Alemanha, em França, num país eslavo e em Portugal, ainda que em Lojas do mesmo rito - designadamente do Rito Escocês Antigo e Aceite - facilmente reconhecemos um ambiente comum, uma base partilhada, mas também diferenças, idiossincracias, práticas próprias.

Por outro lado, não olvidemos a transversal diferença existente entre a Maçonaria Regular e a Maçonaria Liberal, aquela trabalhando à glória do Grande Arquiteto do Universo e com os seus obreiros na busca de um aprofundamento espiritual, esta efetuando os seus trabalhos à glória do Homem e do seu aperfeiçoamento moral. Ambas têm a sua específica valia e ambas são - creio-o - necessárias. Mas as respetivas buscas são diferentes. Sem serem reciprocamente opostas, prosseguem caminhos diferentes, esta tendente a melhorar o relacionamento do Homem com a Sociedade e os diferentes grupos sociais, aquela trilhando a rota de uma espiritualidade baseada na Fé no UM universal, origem e reflexo de tudo e todos. Ambas as vias são - repito - respeitáveis e valiosas. Ambas têm assinaláveis pontos de contacto entre si, partilham aqui e ali caminhos e princípios e valores comuns. Ambas têm - sobretudo - a inestimável caraterística de integrarem homens que procuram ser melhores. Mas são intrinsecamente diferentes. Para os cultores de cada uma das vias, essa é a melhor. Intrinsecamente nenhuma é melhor do que a outra. Apenas diferentes.

Por outro lado ainda, a Maçonaria pratica-se em diferentes ritos, uns mais universais ou mais difundidos, outros mais seletos ou localizados. Sem preocupações de exaustão, podemos referir uma dezena de ritos hoje em dia praticados: Emulação, York, Escocês Antigo e Aceite, Escocês Retificado, Sueco, Brasileiro, Adonhiramita, Francês ou Moderno, Memphis-Misraim, Schröder. Cada um com simbologia própria ou diferente interpretação simbólica, ou diverso encadeamento do ensinamento. Todos diferentes. No entanto, cada maçom de um destes ritos, de visita a uma Loja de qualquer dos outros, reconhece ali Maçonaria...

Mesmo na mesma região, no mesmo país, na mesma Obediência, praticando o mesmo rito, cada Loja tem uma prática subtilmente diferente das demais. Tem a marca da sua individualidade, o resultado da sua evolução própria, a levemente diferente evolução de uma mesma matriz.

E, finalmente, dentro de cada Loja, que pratica o mesmo rito, que pertence a uma mesma Obediência, no mesmo país e na mesma região do globo... cada maçom é - inevitável e felizmente! - diferente do Irmão ao seu lado. Cada maçom tem a sua pessoal busca, a sua individual interpretação, o seu diferente caráter, a sua diversa história, o seu incomparável plano. Buscam todos o mesmo - o seu aperfeiçoamento -, utilizando o mesmo método, seguindo o mesmo rito, integrando-se no mesmo grupo. Mas, porque intrínseca e gloriosamente diferentes, não prosseguem todos o mesmo caminho, à mesma velocidade e não chegarão aos mesmos lugares. Embora naveguem à vista um dos outros. Embora se auxiliem e influenciem mutuamente. Cada um é um diferente maçom, ainda que na mesma maçonaria.

Quando se fala em Maçonaria, está-se na realidade falando de todas estas diversas maçonarias. Todas - mais ou menos - diferentes. Mas todas se incluindo no mesmo universal conceito de... Maçonaria.

Rui Bandeira